Comércio informal nas unidades habitacionais em condomínio

Mariana Tolentino da Silva1
Thayná Jesuino Malini2

 

RESUMO

O objetivo do presente trabalho é analisar a legalidade quanto a prática do comércio informal realizado em unidades habitacionais em condomínios, que vem ascendendo principalmente em decorrência do crescimento do desemprego após o início do período pandêmico que o mundo vem vivenciando.
Palavras-chave: Comércio; Informal; Normas Internas; Uso e Costumes; Gerador de renda.
1 Graduada pela Universidade de Vila Velha; advogada condominialista pós-graduanda em Direito Imobiliário pela Damásio; Pós graduanda em Direito Condominial pela Faculdade Legalel; Curso de Atualização das Leis Trabalhistas pela Damásio e curso Prático das Alterações do Código Processo Civil 2015; secretária adjunta da Comissão de Direito Condominial OAB/ES
2 Graduada pela Faculdade de Direito de Vitória; advogada condominialista sócia do escritório Malini Advogadas; membro da Comissão de Direito Condominial OAB/ES.

 

INTRODUÇÃO

Os condomínios são classificados em residenciais, quando exclusivos para moradia, comerciais quando exclusivos para fins comerciais e mistos quando possuem tanto unidades de habitação quanto lojas. A classificação é definida na convenção e tem por consequência limitar o uso das unidades privativas e comuns para os fins das quais foram criadas.
Ocorre que assim como em qualquer residência alguns moradores trabalham através de home office, atendem alguns poucos clientes em casa como no caso de profissionais liberais ou ainda costumam comercializar pães, marmitas ou bolos para vizinhança, por exemplo.
Essa prática se intensificou com o advento da pandemia no ano de 2020 e os casos de condôminos que iniciaram esse tipo de atividades em casa aumentaram vertiginosamente, uma vez que ocorreram muitos períodos de confinamento decretados pelo governo ou pela necessidade de distanciamento social para se evitar o contágio da doença. Porém, a gestão do condomínio e os condôminos não sabem quais os limites e proibições devem ser impostas.
Em decorrência deste fato e por não ser comum constar na convenção ou regimento interno as regras a serem seguidas, muitos condomínios permitiram a prática deliberada de atividades comerciais e outros aplicaram notificações e multas indevidas por não saberem qual baliza utilizar.
Sendo assim, este estudo tem por finalidade responder aos questionamentos oriundos da imprescindibilidade de compreender a distinção entre atividades empresariais e atividades informais, do que é comércio nas unidades autônomas ou área comum e de quando se deve ou não proibir ou limitar qualquer exercício de comércio de acordo com a legislação vigente.
Para tanto será feita a conceituação dos tipos básicos de condomínios existentes, das finalidades atribuídas, dos tipos de atividades normalmente identificadas nas unidades, quais sejam, aquelas praticadas por empresários,profissionais liberais, funcionários em home office ou daquele vizinho que só vende algumas “quentinhas” para outros vizinhos. Para que, por fim, possa se estabelecer se há limites e proibições e quais são.

1. DO CONDOMÍNIO
Há ocorrência de condomínio quando duas ou mais pessoas possuem copropriedade sobre o mesmo bem e este é regulamentado pelas leis 4.591/64, 10.406/02, bem como pelos regramentos internos compostos pela convenção condominial e pelo regimento interno.
O condomínio pode ser inicialmente categorizado como voluntário, aquele que “os coproprietários, por mera liberalidade, optam por adquirir conjuntamente uma coisa ou […] resolvem permanecer nessa condição após aquisição” (ARECHAVALA, 2021, pág. 29) ou necessário que conforme artigo 1.317 do Código Civil ocorrem por meação de paredes, cercas, muros e valas e não está vinculado à vontade das partes, mas por força da lei (BRASIL, 2002).
O Código Civil ainda apresenta no artigo 1.331 o condomínio edilício, forma especial, que possui áreas privativas e comuns entre os condôminos. Estes precisam ser classificados por sua destinação, sendo indispensável seu devido enquadramento e conceituação no presente caso.

1.1. DO CONDOMÍNIO RESIDENCIAL, COMERCIAL OU MISTO
Para que se possa instituir o condomínio o artigo 1.332 do Código Civil determina que:
Institui-se o condomínio edilício por ato entre vivos ou testamento, registrado no Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar daquele ato, além do disposto em lei especial:

I – a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas uma das outras e das partes comuns;
II – a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns;
III – o fim a que as unidades se destinam (grifo nosso).
A destinação ou finalidade para a qual o condomínio foi instituído deve constar em sua convenção e pode ser residencial, comercial ou misto. Este primeiro tem por desígnio a moradia, o lar dos condôminos e comporta as diversas atividades em que uma residência se intenta.
Já o comercial, ao contrário, é planejado para que comporte lojas, escritórios, clínicas, empresas, galpões, entre outros e há um intenso fluxo de pessoas além de possuir regras diferentes, como por exemplo, o horário para realização de obras e reformas.
O misto, por sua vez, possui tanto o ambiente residencial, da qual são unidades exclusivas a moradia, como também possui lojas e salas.
Para que tal destinação possa ser modificada, a princípio, o Código Civil havia instituído a necessidade da decisão por unanimidade dos condôminos, tendo ocorrido recente alteração pela Lei n. 14.405 de 12 de julho de 2022 para que a aprovação possa ser realizada por de 2/3 dos condôminos.
Sendo assim, saber a qual destinação as unidades foram instauradas é de suma importância para que se possa saber os limites e proibições que os proprietários terão ao usufruir do seu bem.

 

2. DAS ATIVIDADES EMPRESARIAIS, DAS ATIVIDADES DE PROFISSIONAIS LIBERAIS, DO HOME OFFICE E DO COMÉRCIO INFORMAL

Empresário, como preceitua o artigo 926 do Código Civil é “quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços” e, a empresa já instituída juridicamente é “atividade econômica organizada de produção ou circulação de bens ou serviços” (ULHOA, 2012, pág. 19).
Ou seja, a atividade empresarial demanda de uma organização formal, registro, emissão dos devidos licenciamentos decorrentes do serviço fornecido ou produto produzido, bem como pagamento de taxas e afins a depender da natureza da atividade. A título de exemplo pode-se mencionar as cozinhas industriais ou de larga escala que necessitam de documentação oriunda da Vigilância Sanitária para verificação do cumprimento das normas.
A empresa depende ainda de funcionários, recebimento de correspondências e pessoas diversas como prestadores de serviços e/ou clientes e por consequência alteram a rotina do local onde se estabelecem.

Neste ponto é crucial que se esclareça que o home office não pode ser considerado igualmente como uma atividade empresarial na unidade, pois é apenas uma modalidade de trabalho de um colaborador de uma empresa já existente em outro local. Resumidamente é apenas um trabalho remoto e não tem o condão de levar até a residência a operação integral da empresa.
O que é muito diferente também da atividade de profissionais liberais, como por exemplo advogados, que normalmente possuem liberdade geográfica e trabalham sem qualquer prejuízo com o uso apenas de um computador ou do próprio telefone e não costumam receber clientes ou quando os recebem são de forma esporádica e pontual.

 

A própria jurisprudência tem tolerado as atividades profissionais liberais de natureza técnico-científica alinhadas com o conceito do artigo 1º, parágrafo segundo, do estatuto social da Confederação Nacional dos Prestadores Serviços Liberais:
Art. 1º A Confederação Nacional das Profissões Liberais, entidade sindical de grau superior, […].
§ 2° Para fins do disposto no caput deste artigo, considera-se profissional liberal aquele legalmente habilitado a prestar serviços de natureza técnico-cientifica de cunho profissional com a liberdade de execução que lhe é assegurada pelos princípios normativos de sua profissão.
E por fim, é necessário distinguir o comércio informal dos negócios acima exposto, pois neste o que comumente se identifica é a venda de bolos, pães, pizzas ou outros tipos de alimentos para os vizinhos e geralmente se inicia de forma despretensiosa após pedidos dos próprios moradores ou amigos. Assim como não há sequer envio de panfletos ou atendimento a terceiros que não residam no próprio condomínio.

 

3. DAS LIMITAÇÕES DE COMÉRCIO NAS ÁREAS COMUNS

As áreas de um condomínio são consideradas comuns ou privativas, sendo as comuns de propriedade de todos os condôminos e as privativas as partes individualizadas.
A grande maioria das modificações nas áreas comuns de condomínios carecem de um maior cuidado no momento de sua implantação, uma vez que há múltiplos interesses envolvidos que muitas vezes não convergem.
A instalação de mercado ou feira em um condomínio residencial, por exemplo, é uma medida que traz mais comodidade, segurança e conforto para todos os moradores, sendo possivelmente uma mudança bem aceita.

 

Legalmente, até por se tratar de uma situação nova e moderna, não há nenhum impedimento quanto a instalação desse tipo de serviço no condomínio, o que não afasta, por óbvio, a necessidade de ser seguido um procedimento para a implantação.
A implantação desse tipo de serviço ainda é algo novo e, portanto, não está contemplada na maioria das convenções dos condomínios, havendo assim uma zona de penumbra quanto ao procedimento a ser adotado.
Neste caso, cabe ao administrador buscar soluções naquilo que já está posto em lei e na sua convenção, realizando aplicações por analogias e lógicas. Como as convenções ainda não contemplam esse tipo de serviço, o próprio condomínio também não possui uma área destinada para esse fim, e esse é um importante início para a análise da questão.
Por uma visão mais conservadora e, portanto, mais prudente, a implantação deste tipo de serviço no condomínio possivelmente irá modificar, ainda que uma pequena parte, a finalidade de uma área comum.

Por mais que muitos desses serviços operem com uma estrutura precária, no sentido de não necessitar de obras e ser passível de fácil remoção, é lógico que ao implantar um minimercado numa área, esta passará a possuir uma outra finalidade.
Assim é necessário que se observe o quórum estabelecido por lei de no mínimo 2/3 dos condôminos e que ainda se tome cuidado com outros esbarramentos administrativos, como se haverá cobertura em caso de sinistro pelo seguro já contratado pelo condomínio ou se em caso de necessidade de obra esta foi aprovada na previsão orçamentária.
Portanto, o comércio em área comum possui aspectos diferentes daqueles realizados no ambiente privativo de cada morador e devem ser observados critérios práticos e legais diversos.

 

4. NAS UNIDADES AUTÔNOMAS

Nas unidades autônomas em condomínio que tem como destinação exclusiva a residência não há possibilidade de qualquer atividade empresarial, que como já descrito em nada tem a ver com a atuação de profissionais liberais, o trabalho remoto ou o pequeno comércio informal.
Para que se possa ter segurança nas limitações a serem impostas é importante que o condomínio crie regras claras para que sejam aplicadas e que estas se fundamentem na finalidade do empreendimento, não retirem o sossego, a salubridade e segurança da edificação, tendo em vista o que preceitua o artigo 1.336, inciso IV, do código civil que segue abaixo.

Art. 1.336. São deveres do condômino:
I – contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção; (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004)
II – não realizar obras que comprometam a segurança da edificação;
III – não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas;
IV – dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes (grifo nosso).

O descumprimento dessa norma pode acarretar multa. Veja o que diz o parágrafo segundo desse mesmo artigo:
§ 2º O condômino, que não cumprir qualquer dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV, pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem; não havendo disposição expressa, caberá à assembleia geral, por dois terços no mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da multa (grifo nosso).
Desta feita a empresa não pode ser estabelecida em unidade autônoma residencial, haja vista que esta nitidamente desconfigurará a finalidade da qual a edificação foi instituída. E, para além disso, o tráfego de pessoas desconhecidas, os ruídos, as possíveis adaptações que se tornem vitais ao funcionamento do negócio infringirão regras básicas da vida em condomínio, da segurança e do sossego.

No entanto, a dúvida persiste para aqueles funcionários que estão em casa e realizam os serviços na modalidade home office. Esses não geram insegurança, insalubridade e tampouco retiram a tranquilidade das outras unidades. Isso porque geralmente são serviços administrativos, de atendimento totalmente remoto e não alteram em nada a rotina dos moradores.
Nesse sentido, tais práticas profissionais devem acontecer de forma que não atrapalhe o funcionamento do condomínio, bem como não interfira no direito dos demais condôminos, o que é diferente do impacto de um comércio.

Para Arnaldo Rizzardo (2021, pág. 108) é terminantemente proibida qualquer atividade comercial, justamente pela proibição da alteração de destinação e pelos custos adicionais que podem ser gerados ao condomínio, veja:
A realização de atividades profissionais no interior das unidades autônomas traz vários percalços e incômodos ao próprio condomínio e aos moradores, como maior frequência de público e comparecimento de pessoas estranhas, aumento do serviço de atendimento pelos funcionários, acarretando elevação de despesas de energia elétrica pelo uso do elevador e de luz nos corredores, e pela exigência de limpeza mais assídua. Ademais, o constante ingresso e movimento de pessoas desconhecidas nos vários recintos, de difícil controle, enseja acréscimo de riscos à segurança interna, sem contar com a quebra da privacidade, o barulho, os distúrbios.

No entanto, os profissionais liberais devem ser analisados através dos critérios objetivos citados, mas com a aplicação particular do caso em concreto. Uma vez que um arquiteto, por exemplo, pode realizar seu serviço de forma totalmente virtual com atendimento presencial esporádico em seu apartamento e sem qualquer geração de custos ou perturbações.
Assim também deve ser com o comerciante informal que trabalha dentro de sua residência, pois algumas questões devem ser levantadas. Há necessidade de algum tipo de licença especial? Avaliação? Fogões industriais? Os materiais utilizados podem gerar risco a saúde ou a segurança dos demais? O negócio está sendo divulgado nas redes sociais? Terceiros buscam seus pedidos na porta do prédio?
Muitos são os questionamentos que devem ser feitos, porque no caso de um morador que vende bolos, o gás é individualizado ou haverá custos extras aos outros condôminos? Por isso, é essencial que se criem regras claras sobre como as atividades poderão ser exercidas.
O que se observa, portanto, é a necessidade de criação de regras com requisitos objetivos que englobem os diferentes tipos de custos e riscos que o condomínio poderá ter ao permitir a utilização da unidade autônoma para atividades comerciais.

5. DA PRÁTICA COMERCIAL POR USOS E COSTUMES EM UNIDADES HABITACIONAIS EM CONDOMÍNOS
Conforme analisado até aqui, comumente os condomínios não possuem em sua convenção ou regimento interno a liberação para o livre exercício do comércio nas unidades e tampouco são estabelecidas regras para os diferentes tipos de

atividades comerciais que podem ocorrer dentro dos apartamentos e desta feita não poderiam os condôminos praticá-las.
Contudo, essas atividades se intensificaram com a pandemia, momento em que muitas famílias ficaram desempregadas e na falta de onde tirar o sustento, começaram a realizar pequenas atividades comerciais em casa, como forma de manter seus compromissos financeiros em dia.
Razão pela qual, muitos síndicos passaram a fazer “vista grossa” com o desrespeito da norma, até mesmo para diminuir o impacto da inadimplência do próprio condomínio.
Entretanto, as atividades comerciais somente podem ocorrer desde que a unidade residencial não descaracterize destinação principal (moradia) ou cause prejuízo ao direito de terceiros, ou seja, o condômino pode exercer um trabalho cuja sua atividade seja compatível com a residência e não ofenda o direito alheio, respeitando os limites impostos na Convenção Condominial e regimento interno, bem como a não interferência a vizinhança estabelecido pelo artigo 1.277 do Código Civil:
“Art. 1277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.
Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança” (BRASIL, 2002).
Para melhor compreensão vejamos alguns exemplos dessas atividades: encomenda de comidas, encomenda de trabalho artesanal, aulas particulares, recebimento de visitas ocasionais ligadas à profissão (advogados e médicos, por exemplo), são atividades profissionais que são secundárias à destinação principal que é a moradia.

 

É certo que o condômino não poderá instalar um forno industrial ou instalar uma cozinha industrial, pois essas situações implicariam questões de segurança para a edificação, tais como: piso correto, extintores de incêndio e principalmente autorização municipal, ou seja, as atividades somente serão permitidas se foram desenvolvidas dentro de uma estrutura residencial, sem que represente risco aos demais moradores ou infrinja a regulamentação do condomínio.
Porém, para além das modificações óbvias e irregulares na edificação, a atividade também deverá ser realizada de forma a não impactar no uso dos demais condôminos, assim como não poderá sobrecarregar a estrutura residencial.
Desta forma, não será tolerado o excesso de barulho ou quaisquer perturbações ao sossego e interferência nociva na vida coletiva, dado que já são condutas sujeitas às multas previstas em convenção.

Nesse caso, o condômino pode exercer um trabalho cuja sua atividade seja compatível com a residência e não ofenda o direito alheio.
Quanto a utilização de gás e água, em especial quando não há a individualização do consumo a realização do comércio de alimentos caseiros, compromete aqueles moradores que fazem uso estritamente residencial.
Em um condomínio em que a cobrança desses serviços ocorre de forma coletiva e rateada, o custo operacional e adicional do condômino que desenvolve a atividade comercial em sua unidade passa a ser suportado por toda a coletividade.
É certo que dentro de um condomínio o rateio das despesas na forma da convenção é um ônus inerente a modalidade de organização residencial, contudo a transferência indevida de um custo extraordinário que beneficia um condômino é capaz de caracterizar o do enriquecimento sem causa.

 

Neste sentido, o Tribunal de justiça de São Paulo em decisão recente se manifestou:
“Considerando que o rateio do consumo de gás entre os condôminos se dá pela fração ideal de cada unidade, evidente que a utilização de gás em aquecedores instalados em banheiros e lavabo, além do ponto instalado na cozinha, onera demasiadamente os demais condôminos que são obrigados a suportar os custos do consumo desse produto nos apartamentos de propriedade das apelantes, pouco importando a frequência em que são utilizados os imóveis, se para veraneio ou residência fixa.
O fato é que o critério de rateio do consumo do gás adotado no condomínio beneficia somente a utilização do produto às unidades das apelantes em detrimento dos demais proprietários que se limitam ao uso do gás somente na cozinha. […]. É dizer: o aumento do consumo do gás decorre simplesmente da criação de novos pontos dentro das unidades, mas a participação do rateio daquele produto, qual seja, pelo critério da fração ideal outrora estabelecido permanece o mesmo, em claro e óbvio prejuízo para os demais condôminos. E como as apelantes realizaram obras clandestinas nos imóveis, a impossibilidade de aferição do consumo do gás nos demais pontos instalados em suas unidades viabiliza o enriquecimento sem causa das recorrentes, situação vedada pelo ordenamento jurídico”. (TJ-SP – AC: 10056148620178260126 SP 1005614-86.2017.8.26.0126, Relator: Sergio Alfieri, Data de Julgamento: 27/07/2021, 28ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 29/07/2021) (grifo nosso).
Ademais, o uso muito superior ao esperado detém como consequência lógica o favorecimento do desgaste prematuro das estruturas comuns do condomínio o que, no médio prazo, poderá implicar em mais custos para sua manutenção. O que deixa claro o impacto econômico suportado pelo condomínio em razão do uso das unidades em desacordo com sua destinação.

 

Idealmente a solução para que não haja essa discrepância, bem como para estímulo do uso racional do recurso, sugere-se a individualização do controle do consumo.
Desta forma, cada condômino arcaria de forma justa com o valor do gás e água que de fato consome.
Porém, mediante um caso no qual o condomínio apresenta a ausência de tal adaptação da estrutura, entende-se pela necessidade de adoção de medidas para coibir o uso comercial das unidades, sob pena de legitimar o enriquecimento sem causa daqueles que desafiam o regramento da convenção condominial.
Além do mais, existem diversas outras implicações práticas, pois ao depender do serviço prestado ou do produto vendido pelo condômino há necessidade de alteração na estrutura da edificação, há necessidade de licenciamento ou de alvará e a responsabilidade por não ter fiscalizado pode recair sobre o condomínio que poderá ter prejuízos financeiros.
Outrossim alguns moradores ainda divulgam suas atividades com endereço de sua residência como referência nas redes sociais e vinculam o condomínio ao comércio praticado e assim alteram nitidamente a destinação para qual foi instituído e pode ainda abalar a sua segurança, pois desconhecidos passam a tratar aquele ambiente residencial como o local aonde poderá solicitar ou reclamar serviços prestados.

Recorda-se que compete ao síndico de acordo com o artigo 1.348 do Código Civil, cumprir e fazer cumprir a lei, a convenção, o regimento interno e as determinações da assembleia; além de diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores.
Mediante isso deve o síndico notificar um morador quando houver prova de exercício de atividade comercial capaz de se enquadrar nos abusos supracitados.

Logo, poderá o síndico realizar todas as medidas coercitivas previstas em convenção condominial e regimento interno, caso esteja esse condômino com sua atividade comercial, interferindo no direito dos demais condôminos

 

6. CONCLUSÃO

Mediante ao exposto, entende-se que para a prática comercial aconteça em condomínios residenciais, deve haver a previsão da liberação da prática na convenção e no regimento interno, idealmente estabelecendo regras específicas para cada modalidade de comercio.
Ocorre que, principalmente com o advento da pandemia, muitas famílias ficaram desempregadas, e começaram a praticar o comércio dentro de suas unidades habitacionais, tirando dessa prática seus sustentos.

Com o crescimento do desemprego se fez necessária a liberação do comércio vez que muitos condôminos que se encontram sem outros tipos de renda, utilizam desse comércio para quitar suas contas mensais, entre elas, inclusive, a taxa condominial. Ou seja, a liberação do comércio nesses casos colabora para o equilíbrio econômico do próprio condomínio.
Entende-se, portanto, que a priori as atividades comerciais em unidades privativas de condomínios residenciais são proibidas, porém há possibilidade de flexibilização a depender da atividade praticada, caso não descumpram a legislação ou firam o direito de vizinhança, a segurança e tranquilidade dos demais condôminos ou que possa gerar qualquer tipo de prejuízo a rotina do condomínio. E havendo reclamações dessas práticas, elas devem ser comprovadas, com direito a contraditório e ampla defesa.
O ideal, portanto, é que os coproprietários estabeleçam e aprovem regras claras e objetivas sobre as atividades que poderão ou não ser realizadas, a fim de que não se altere a finalidade da destinação do condomínio.

 

REFERÊNCIAS

ARECHAVALA, Luís. Condomínio edifício e suas instituições. Lumen Juris. Rio de Janeiro: 2021.
ASSIS, Olney Queiroz, Manual de direito condominial: uma abordagem interdisciplinar, 1. Ed. São Paulo: YK, 2016.
BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o código civil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 14 de setembro de 2022.
______. Lei 14.405, de 12 de julho de 2022. Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para tornar exigível, em condomínios edilícios, a aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos para a mudança da destinação do edifício ou da unidade imobiliária. Disponível em < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Lei/L14405.htm> Acesso em: 03 de novembro de 2018.
______. Tribunal de Justiça de São Paulo. Processo nº 1005614-86.2017.8.26.0126. 27 de julho de 2021.
BRASÍLIA. Estatuto social da confederação nacional das profissões liberais. Aprovado em 27 de novembro de 2018.
COELHO, Fábio Ulhoa, Curso de direito comercial: direito de empresa, 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
RIZZARDO, Arnaldo. Condomínio edilício e incorporação imobiliária. 8. ed. Rio de janeiro: Forense, 2021.

 

 

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