O hasteamento de bandeiras nacionais em varandas e janelas de condomínios edilícios tem se tornado comum nos dias atuais, o que tem gerado inúmeras dúvidas.
Isso porque, uma corrente entende que tal ação é irregular, do ponto de vista das normas condominiais, vez que configura uma alteração de fachada, do padrão estético do condomínio, e também, muita das vezes, uma afronta direta ao disposto na convenção e/ou regimento.
Entretanto, há ainda o entendimento de que tal proibição seria ilegal, vez que a Lei n. 5.700 de 1º de setembro de 1971, a chamada Lei de Símbolos Nacionais, autorizaria a ação e, por se tratar de norma superior hierarquicamente, não poderiam ser invocadas as regras convencionais ou regimentais em seu detrimento.
O entendimento acima, em que pese a atividade argumentativa de seus filiados, não é o mais acertado.
Isso porque, ao tratarmos de condomínio edilício é necessário destacar e analisar todas as particularidades de sua própria essência e fundamento.
Em primeiro lugar, é importante destacar que a fachada do condomínio é entendida como espaço comum, ou seja, ainda que a bandeira esteja colocada na varanda ou janela da unidade privativa, sua presença implica na alteração do padrão estético do condomínio.
O entendimento acima é o mesmo para a padronização de cortinas, esquadrias, fechamentos de vidro, telas de proteção e, na maioria dos casos, das cores das paredes das varandas.
Note-se, muitas dessa limitações e regulamentações são feitas sobre equipamentos ou materiais que estão, inclusive, dentro da unidade privativa, como no caso das cortinas e das paredes internas das varandas.
Isso se dá porque, ainda que dentro das unidades privativas, tais equipamentos ou materiais ficam expostos à área externa e, por isso, possuem o condão de alterar o padrão estético.
Sobre as questões referentes a alteração de fachada por condôminos, é importante trazer à discussão alguns precedentes:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. CONDOMÍNIO EDILÍCIO. DEVERES DOS CONDÔMINOS. ALTERAÇÃO DA FACHADA DO EDIFÍCIO. INSTALAÇÃO DE CORTINA DE VIDRO RETRÁTIL. MODIFICAÇÃO LEGISLATIVA QUE NÃO REVOGA AS CLÁUSULAS INSERTAS NA CONVENÇÃO DO CONDOMÍNIO. NORMA PROIBITIVA QUE DEVE SER RESPEITADA POR TODOS OS CONDÔMINOS. MANUTENÇÃO DA R. SENTENÇA.
1. Trata-se de ação de obrigação de fazer proposta pelo Condomínio do Edifício Vivalde na qual alega que os coproprietários da unidade autônoma de nº 301 modificaram a fachada principal do edifício ao instalarem uma unidade condensadora de aparelho de ar-condicionado, tipo Split, e uma cortina de vidro na varanda. 2. A alínea “h” do Capítulo I, da Convenção do Condomínio veda o fechamento das varandas das unidades. Nesse sentir, o advento da Lei Complementar Municipal de nº 145/2014, que passou autorizar a utilização de cortina de vidro em unidade de imóvel multifamiliar, não tem o condão de, automaticamente, revogar a aludida uma cláusula inserta na Convenção. 3. Nesse contexto, restou inconteste que a utilização desta cortina de vidro afronta uma norma instituída com o escopo de padronizar a fachada e manter a uniformidade estética do prédio, cláusula esta que fora regularmente estatuída e que se encontra plenamente válida e vigente na Convenção do Condomínio. 4. No cotejo das provas constantes nos autos, verifica-se que os réus instalaram a cortina de vidro na varanda antes da promulgação da Lei Complementar Municipal de nº 145/2014, ou seja, época em que essa instalação era proibida pelo Decreto Municipal nº 322/76, o qual não só previa a aplicação de uma multa aos proprietários infratores mas, também, imputava uma responsabilidade de natureza solidária ao condomínio que não observasse a aludida norma. 5. No mais, evidenciada a insubmissão dos réus às deliberações da assembleia e à cláusula convencional, afigura-se legítima a interpelação do condomínio perpetrada com espeque na Convenção do Condomínio. Destarte, não há dano moral a ser reparado, motivo pelo qual se mantém o julgamento de improcedência quanto ao pedido contraposto formulado. 6. Nesse diapasão, deve-se manter o R. pronunciamento judicial perquirido cuja solução conferida à lide se encontra em harmonia com a legislação pátria e a jurisprudência predominante acerca do tema debatido. 7. Recurso a que se nega provimento.
(TJRJ – ApCiv 0039981-43.2014.8.19.0001 – 15.ª Câmara Cível – j. 14/11/2017 – julgado por Gilberto Clóvis Farias Matos – DJe 28/11/2017 – Área do Direito: Civil; Processual)
APELAÇÃO CÍVEL. CONDOMÍNIO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. ALTERAÇÃO DA FACHADA.
Preliminar. Ilegitimidade passiva. Desacolhimento, uma vez que se discute nos autos a responsabilidade da ré pela alteração da fachada para adequação do local para a sua atividade em descumprimento às normas internas do Condomínio. Alteração da fachada. No caso, ficou demonstrado nos autos que as soleiras da loja ocupada pela ré destoam das soleiras dos demais estabelecimentos que funcionam no mesmo local, o que autoriza responsabilizar a ré pela restauração respectiva em face da modificação não autorizada. Por outro lado, os elementos dos autos não permitem concluir que a alteração da cor das grades foi realizada pela ré, o que afasta a sua responsabilidade pela adequação ao padrão do prédio. Fixação de multa diária. Cabimento no caso, a qual tem caráter meramente inibitório, e, desse modo, inócua a discussão do seu valor, mormente quando estabelecido limite para a incidência da penalidade. Prazo de cumprimento. Adequadamente ficado em face da obrigação determinada. Distribuição do ônus sucumbenciais. A análise da adequação da distribuição dos ônus sucumbenciais fixada pela sentença fica prejudicada em face da modificação do resultado do julgamento.
APELAÇÃO DA RÉ PARCIALMENTE PROVIDA. APELAÇÃO DO CONDOMÍNIO AUTOR PREJUDICADA.
(TJRS – ApCiv 70078558657 – 18.ª Câmara Cível – j. 27/9/2018 – julgado por Heleno Tregnago Saraiva – WEB 2/10/2018 – Área do Direito: Civil; Processual)
APELAÇÃO CÍVEL – CONDOMÍNIO –ALTERAÇÃO DE FACHADA – INSTALAÇÃO DE PERSIANA DIFERENTE DO ESTABELECIDO EM ASSEMBLEIA E PINTURA DE SACADA MODIFICADA, SEM CONCORDÂNCIA DOS DEMAIS CONDÔMINOS – ALTERAÇÃO DAS PERSIANAS E DA COR DA SACADA, QUE DEVEM OBEDECER AO PADRÃO ESTABELECIDO EM ASSEMBLEIA – MULTA – PREVISÃO NO REGIMENTO – REDUÇÃO DO VALOR – IMPROCEDÊNCIA – AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE – RECURSO DESPROVIDO.
(TJPR – ApCiv 0014249-42.2017.8.16.0194 – 9.ª Câmara Cível – j. 28/11/2019 – julgado por Domingos José Perfetto – DJe 6/12/2019 – Área do Direito: Administrativo)
Ação cominatória. Alteração de fachada introduzida por condômino, consistente no nivelamento do piso da sacada e remoção da porta que separava a sala de visitas da varanda. Contrariedade à estipulação contida em convenção e regulamento interno de condomínio, decisão assemblear e normas legais (artigo 1.336, inciso III, do Código Civil e artigo 10, §2º, da Lei 4591/64). Perícia comprobatória da alteração de fachada. Fixação de prazo para cumprimento da obrigação. Recurso parcialmente provido, apenas para essa finalidade.
(TJSP – Ap 0150155-34.2008.8.26.0002 – 5ª Câmara de Direito Privado – j. 23/11/2011 – julgado por Edson Luiz de Queiróz – DJe 23/11/2011 – Área do Direito: Civil)
Pelos precedentes acima destacados é possível extrair que, ainda que as modificações sejam incluídas no interior das unidades privativas, em alguns casos isso configurará alteração de fachada.
As regras quanto as modificações no padrão estético do condomínio estão inseridas, sobretudo, no art. 1.336, III do Código Civil que trata do dever do condômino em “não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas”
Por essa simples razão, ou seja, por se tratar de quebra de padrão estético harmônico da fachada do condomínio, a colocação da bandeira nos termos expostos no relatório já implicaria em uma irregularidade.
Entretanto, faz-se necessária à contestação quanto ao argumento de que, por haver a Lei de Símbolos Nacionais, a convenção não poderia proibir a colocação de bandeiras.
De início é necessário destacar que a referida lei não se trata de uma imposição. Ou seja, não é obrigatório que os cidadãos manifestem seu patriotismo com a colocação de bandeiras nacionais em suas propriedades.
Em verdade, a referida norma estabelece formas e padrões que devem ser respeitadas quando, por iniciativa própria, for expor quaisquer dos símbolos nacionais, incluindo aqui a Bandeira Nacional.
Ademais, o fato de haver uma Lei Federal que, supostamente, endossaria a prática, essa não é capaz de por si só desautorizar a proibição disposta em convenção.
Isso porque, ao tratarmos de condomínio edilício, por sua própria natureza, o direito de propriedade não é visto de forma absoluta, mas sim dentro das limitações naturais.
A fragilidade da argumentação quanto à suposta hierarquia das normas e da impotência da convenção diante de uma Lei Federal, é escancarada ainda quando utilizamos o mesmo entendimento para outras leis de mesma origem, ou seja, para outras leis federais.
Veja-se, a Lei 9.504 de 30 de setembro de 1997, a qual estabelece as normas para as eleições, autoriza a colocação de adesivos de propaganda política nas janelas residenciais, conforme disposto em seu art. 37, §2º, II.
Art. 37. Nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do poder público, ou que a ele pertençam, e nos bens de uso comum, inclusive postes de iluminação pública, sinalização de tráfego, viadutos, passarelas, pontes, paradas de ônibus e outros equipamentos urbanos, é vedada a veiculação de propaganda de qualquer natureza, inclusive pichação, inscrição a tinta e exposição de placas, estandartes, faixas, cavaletes, bonecos e assemelhados. (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015) (Vide ADPF Nº 548)
§ 2º Não é permitida a veiculação de material de propaganda eleitoral em bens públicos ou particulares, exceto de: (Redação dada pela Lei nº 13.488, de 2017)
II – adesivo plástico em automóveis, caminhões, bicicletas, motocicletas e janelas residenciais, desde que não exceda a 0,5 m² (meio metro quadrado) (Incluído dada pela Lei nº 13.488, de 2017) (grifo nosso)
Pelo entendimento utilizado para a colocação de bandeiras nas fachadas, não poderia o condomínio proibir a colocação de adesivos de propaganda política em janelas das unidades privativas.
Entretanto, tal situação é praticamente impensável dentro do ambiente condominial, vez que se trata de uma ação que implicaria em grave ofensa ao padrão estético do condomínio.
Outro exemplo que destaca muito bem a fragilidade da argumentação é no sentido de que a Constituição da República Federativa do Brasil dispõe como direito fundamental a liberdade religiosa e o livre exercício dos cultos, entretanto, a maioria esmagadora das convenções condominiais dispõe que não poderão serem utilizadas as áreas comuns para cultos.
Estariam, então, as convenções indo de encontro ao disposto no ordenamento jurídico?
Em linhas gerais, sobre os exemplos acima destacados, a resposta é não. Isso porque, ao analisar um suposto conflito de normas, é necessário se ater aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Deve-se levar em consideração ainda que nenhum direito é absoluto e que a norma convencional e regimental é a manifestação da vontade dos proprietários do condomínio.
Isso posto, é plenamente legal e regular a proibição de colocação de bandeiras, incluindo aqui a Bandeira Nacional, por parte da Convenção ou do Regimento Interno.